quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Feliz aniversário, Sibila [conto]

Hoje Sibila faria 33 anos, e não lembrei da data para ninguém. Nem para o meu marido, que tinha tanta pena dela. O João Carlos sempre foi tão compreensivo, pedindo que eu tivesse mais paciência. Afinal, ela era minha irmã. Também não fui ao cemitério. O dia não é para ser motivo de comemoração e muito menos de tristeza. Não me envergonho de admitir que sua morte foi um verdadeiro alívio para todos nós. Mesmo morta, às vezes ainda sinto sua presença, e é como se ela estivesse prestes a se materializar a qualquer momento, junto à cama de nosso filho, neste quarto que um dia foi dela.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Raiva nos raios de sol

Tendo a violência como nota predominante e com alguns toques de escatologia, Fernando Mantelli fez deste um grande livro de contos. A linguagem é muito moderna e direta, e as histórias são memoráveis, com temas atuais e pertinentes.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Contos de Belkin - Алекса́ндр Пу́шкин

Os russos. Ah, os russos e seus contos de efeito. Temos neste pequenino volume de Alexander Pushkin (Алекса́ндр Пу́шкин, para os mais íntimos com a língua russa) uma verdadeira jóia exemplar. Tive o prazer de ler essa coleção de cinco contos em novembro de 2003 e reli agora, em novembro de 2009. Escritas no século XIX por um autor em quarentena devido a uma epidemia de cólera, as narrativas têm enredos trágicos mas são escritas em tom irônico – algumas com um delicioso toque farsesco.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Pequenas fábulas urbanas #4 – O principezinho tirana

m uma ilha do oceano atlântico, onde resiste um dos últimos reinados deste nosso mundo prá lá de globalizado – no qual a Coca-cola já chegou à China, e a coca e a cola já chegaram a praticamente todos os lugares –, nesta ilha vivia um principezinho que era uma verdadeira tinhosa. Isso quem dizia eram os seus companheiros de escola e de noitada, toda vez que eles saíam juntos para barbarizar. E eles saíam freqüentemente, tipo todo o final de semana. Uma verdadeira loucurinha nos bares e boates gays. Mas eram sempre escoltados por seguranças paisanos da guarda imperial, que fechavam as casas noturnas e intimidavam ou compravam eventuais curiosos, para que o principezinho surubasse em paz e com relativa privacidade. Até que um dia ocorreu o inevitável: um paparazzo conseguiu clicar o principezinho em diversas poses para lá de provocantes. A fotos incluiam arretos com direito a chupão no peito e passada de mão pelos países baixos dos amigos de noitada, que há muito tempo já haviam virado democracias populares. Aquilo foi impresso em edição extra nos jornais da imprensa marrom no dia seguinte e atiçou o movimento GLBT. A história acabou com o principezinho virando não só de bruços, mas virando o rei daquele país. Melhor dizendo, não apenas rei daquele país, como também o rei do mundo homossexual unido. Leia-se: imperador de no mínimo três quartos do mundo sexualmente assumido e sadio. A rainha, que no princípio havia posado de chocada, desempenhando protocolarmente o seu papel, acabou se declarando muito orgulhosa de seu filho, que sabia como ninguém acompanhar os tempos modernos, garantindo assim que a monarquia encontrasse seu território no mundo globalizado. Pagou para ele uma sessão de fotos com Terry Richardson que virou best seller e aqui acaba nossa história. Procure no Google e você encontrará as fotos das quais estou falando. Quando ao príncipe, ele continua reinando e fervendo mais do que nunca, enquanto balança suas tranças livremente no submundo. Uma verdadeira rainha do sexo.

A casa dos budas ditosos

Se alguém me perguntasse como eu demorei tanto para ler este livro de João Ubaldo Ribeiro, lançado em 1999, eu não saberia responder ao certo. Talvez seja porque o livro fez tanto sucesso na época, integrando a série Plenos Pecados. Na época, li Xadrez, truco e outras guerras, de José Roberto Torero, e não achei o bixo. Também tinha uma peça de Fernanda Torres, que infelizmente perdi. Creio que ela vá retomar futuramente, pois o texto é impagável.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Katharina & Sebastião [conto]

“Triste é partir sem data para regressar.

Ainda mais triste é o regresso, quando não há ninguém à espera.

E acontece que a vida é uma grande viagem, para a qual não se tem data marcada, na qual a esperança de que alguém fique à espera acaba sendo uma esperança só. Ou a desesperança de quem não pôde esperar mais.”

Bonito, isso.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Billy Budd and Other Stories - Melville

Esta edição inclui o excelente conto Bartleby, o escriturário. O prefácio é muito bem escrito por Frederick Busch, com notas esclarecedoras sobre sua vida e sua relação com Nathaniel Hawthorne. O volume é uma ótima opção para se conhecer o trabalho do mestre Melville, em especial os contos e novelas. Ganhei a edição da Penguin Books para o mercado britânico de meu cunhado Lawrence há anos atrás e estou lendo pela segunda vez. Também existe versão para o Kindle. É um dos grandes livros de contos em língua inglesa.

domingo, 15 de novembro de 2009

55ª Feira do livro de Porto Alegre - Balanço

A Feira do Livro de Porto Alegre encerrou suas atividades em meio a polêmica acerca da diminuição na venda de unidades de livros. Alguns argumentam que, com o advento dos e-readers e da crescente indiferença das novas gerações em relação à literatura tradicional, ela está fadada a acabar em cerca de dez anos. Os números mostrariam isso. Outros afirmam que os livros realmente interessantes não são encontrados nas barracas da feira pelos verdadeiros leitores. Ambos estão certos, de alguma forma. O certo é que a Feira do Livro de Porto Alegre segue sendo um evento muito mais cultural do que de mercado – e isso é fascinante. Está aí o caminho para que ela não acabe jamais.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Pequenas fábulas urbanas #3 – A velhota e o cachorrinho

avia uma velhinha que morava logo ali na esquina, e que era tão puta, mas tão puta, que dava o rabo até para os cachorros. E não importava se os cãezinhos eram daqueles de rabo cortado ou não. Todos eles balançavam o rabo ou o cotoco de rabo assim que a viam. Um dia, porém, apareceu em sua porta um dálmata de coleira e tudo. E ela, que dava até para os vira-latas de rua, porque não iria dar também para aquele charmoso canino? Assim o fez e, após alguns minutos de intercurso, ficou com o nó do cachorro entalado. Meu Deus, o que fazer, o que fazer? – dizia ela angustiada e morrendo de tesão. Foi então que sua irmã gêmea chegou em casa e, ao abrir a porta exclamou. Oh, Gertrudes, que bestialidade! Ela disse, oh, minha querida irmã, me acuda. Estava eu encerando o chão quando fui carcada por esse belíssimo cão. A mana riu e tentaram desengatar de tudo quanto foi jeito. Água quente, água gelada, tração. Pensaram até em usar uma faca de churrasco, mas ficaram com pena do bichinho. Dessarte, chamaram o médico da família, que não lhes deu muita esperança. Disse que não tinha remédio a não ser esperar. Aquilo que tinha entrado, cedo ou tarde, por fim sairia. Isso aconteceu – 2 horas depois. No dia seguinte, um homem desesperado batia de porta em porta atrás de seu cão. Bateu na porta de Gertrudes e ela lhe devolveu seu pet. Do dálmata ficou apenas a lembrança e o inchaço. Aconteceu assim. Ela ainda vive ali naquela esquina que tem cheiro de creolina na calçada. Quem passa pela frente da casa pode ouvir os latidos de mais de uma dúzia de cachorros que ela junta na rua e leva para morar com ela e a irmã.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Pequenas fábulas urbanas #2 - Puterella

conteceu, em uma terra muito distante de ser um lugar livre dos preconceitos – e isso não faz muito tempo, não. Uma menina de classe média-alta, criada dentro da tradição cristã, trabalhava em um consultório médico e estudava na universidade federal. Mas ela não era feliz, tinha uma vida miserável, com a rotina massacrante do trabalho e dos estudos, sem poder fazer nada do que gostava. Então resolveu abandonar a vida madrasta e foi ser puta. Batalhou na zona do baixo meretrício durante anos e era muito feliz. Mas via que o negócio na zona tinha que melhorar muito, ainda. Então resolveu batalhar também pelos seus direitos e pelos direitos de todas as outras prostitutas. Fundou um sindicato, uma ONG para unir todas as suas amigas de profissão e também uma marca de roupas para elas usarem e ficarem mais bonitinhas. Assim aproveitava para levantar um dinheiro pela causa. Deu tudo tão certo que as pessoas da sociedade começaram a olhar para ela com interesse. Um dia apareceu um homem em sua vida. Não era príncipe e não veio montado no cavalo. Mas ele a amava de verdade e até largou seu trabalho para ajudá-la em seus projetos. Assim, eles foram felizes para sempre, freqüentavam os bailes e todos os salões da alta sociedade, ambos com o passo firme e a cabeça ereta. Tanto que ela nunca perdeu o sapato e jamais houve essa bobagem de abandonar a festa à meia noite para não virar abóbora. Histórias como essa existem muitas e são cada vez mais notórias.