segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Os 120 dias de Sodoma ou A escola da libertinagem

Ao escrever 120 dias de Sodoma ou A escola da libertinagem ao longo de anos incertos na virada do século XVIII para o séc. XIX, com as tintas furiosas da loucura, Marquês de Sade compôs o que ainda hoje talvez seja o mais completo tratado enciclopédico sobre o universo das perversões sexuais. 

O Marquês morreu antes de concluir seus manuscritos e acreditando que eles tinham sido perdidos. Hoje, se estivesse vivo, talvez fosse o único ser humano capaz de concluí-lo,  e debocharia regiamente de nossa sociedade e suas limitações hipócritas em termos de sexo. 


O livro é composto de personagens absolutamente planos, que mais parecem stencils de perversões sexuais encarnadas. O volume inicia com um inventário de cada um deles, dos grupos que formam e das perversões a serem desenvolvidas ao longo da narrativa.

Dividido em 4 partes, relata 120 dias, seiscentas paixões – 4 meses de libertinagem, 4 classes de vícios. A cada dia, 5 modalidades, somando 150 por mês.

Os personagens em números: 7 súditos; 8 meninos; 8 meninas; 8 fodedores; 4 criadas; 6 cozinheiras; 4 esposas; 4 prostitutas anciâs (narradoras). Todos liderados pelos 4 senhores (personagens principais) – Curval, Durcet, Blangis e o Bispo. Total: 46 pessoas vivendo dias de sexo desenfreado e livre de quaisquer censuras da sociedade.

Ao longo dos quatro meses que abrangem a narrativa, as quatro prostitutas se revezam para contar todas as histórias de suas vidas pregressas, abordando virtualmente todos os tipos de sexo possíveis e imagináveis. Não há nada que a mente mais doentia possa imaginar hoje que já não esteja devidamente recenseado na narrativa.

O volume todo tem um jeito de obra em progresso, especialmente a última parte, onde o autor acaba cada  capítulo com observações para reescrita posterior, apontando onde falhou e onde deve melhorar o texto. Esta parte, percebe-se que não foi devidamente concluída. No início do volume também há um plano para desenvolvimento do mesmo, que é seguido à risca.

Pode-se perceber que o Marquês tinha método para escrever, e tinha toda a obra previamente planejada antes de colocá-la no papel. Trata-se de um ótimo objeto para algum estudo sobre composição de escrita criativa. Além de um ótimo antídoto para leitores que ainda são "virgenzinhas" das letras.

Antes de sair dizendo que um livro é chocante ou quer chocar, ou antes de querer escrever algo pretensamente transgressor, leia este e os outros livros do Marquês. Mas cuidado, essa leitura pode ser forte demais para pessoas que sofrem de doenças cardíacas e bloqueios sexuais. Ler 120 dias de Sodoma requer estômago reforçado e disposição para sublimar o conteúdo de suas páginas. Envolve, quem sabe, até a tentativa de se esquecer o que foi lido, em nome de algum prazer que se possa tirar do sexo após a leitura de algumas cenas repulsivas até para as mentes mais libertinas.

A edição da Iluminuras é bastante interessante, com uma capa bonita e um ensaio de Eliane Robert Moraes (professora de estética e literatura) – que é bem-escrito e talvez pudesse ter sido mais aprofundado.

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