domingo, 25 de outubro de 2009

Maria, irmã [conto]

Conheci uma freira em Porto Alegre que tinha uma vida secreta.

Maria se dizia adepta da filosofia segundo a qual "quem dá aos pobres empresta a Deus", por isso ela pulava os muros do convento todas as noites e ia bater ponto nas praças da Restinga. Fazia trabalho voluntário e não estipulava preço. Mesmo assim, voltava para o convento todos os dias com uns trinta reais no bolso, dinheiro que sempre colocava na caixinha de doações.

Um dia a Madre Superiora mandou que a seguissem e ficou sabendo de suas aventuras tintim por tintim. Ficou furiosa, bufando pelas ventas. Disse que ela não era a Virgem Maria, como pensava, mas Maria Magdalena. Ameaçou-a com a fúria divina e por fim a excomungou.

Então Maria não teve alternativa, passou a bater ponto em uma das casas de prostituição da Avenida Farrapos. Trabalhou ali por mais de cinco anos e acabou se fodendo completamente, contaminada pelas venéreas. HIV positivo.

Virou a pobre, a desvalida. Baixou leito pelo SUS e ficou em estado terminal, esperando que Deus fosse enfim lhe devolver os "empréstimos" que havia feito, com juros e correção. Bastava olhar para ela, abençoá-la, livrá-la da morte triste. Ela rezou, rezou, mas Deus não fez nada.

A única pessoa que ficou do seu lado até o final fui eu, humana, mulher, atéia e sapatona. Não sei o que me deu, porra, mas eu amei aquela safada assim que a vi.

1 comentários:

Rudiran Messias disse...

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